Resenha de Cabeça de Turco – Uma viagem aos porões da sociedade alemã, de Günter Wallraff. Editora Globo, São Paulo, 259 páginas.
“Estrangeiro, robusto, procura qualquer tipo de trabalho, mesmo que seja muito pesado e sujo, mesmo que paguem pouco.” Com esse anúncio, publicado em março de 1983 em diversos jornais alemães, Günter Wallraff iniciava uma investigação que revelaria como a sociedade alemã tratava seus imigrantes.
O jornalista alemão, envolvido com matérias polêmicas, tornou-se ainda mais conhecido pelo jornalismo investigativo que praticou ao publicar em 1985, o livro Cabeça de Turco. A idéia inicial era realizar uma reportagem sobre a situação dos milhões de estrangeiros que viviam na Alemanha. Porém, Wallraff decidiu ir mais longe: resolveu viver dois anos como um operário turco chamado Ali Sinirlioglu, que se sujeitava aos mais duros trabalhos e sofria muita discriminação. Para isso, o jornalista teve que usar lentes de contato escuras, bigode, peruca de cabelos negros, aprender a falar como um turco e portar documentos falsos. O esforço resultou em mais de dois milhões de exemplares vendidos na República Federal da Alemanha.
O livro demonstra a frieza, a incompreensão e o nojo com que os alemães tratavam os imigrantes, os quais trabalhavam em péssimas condições, com salários miseráveis que conseguiam através de muitas horas de esforço físico, já que havia, em alguns casos, jornadas de trabalho que passavam de 24 horas por dia.
Ali comprovou o tratamento desumano aos trabalhadores braçais e pouco qualificados quando trabalhou como ajudante em uma fazenda, como funcionário de um McDonald’s e cobaia de uma indústria farmacêutica, além de prestar serviços para a empreiteira Adler, que burlava a legislação, atrasando os pagamentos dos operários e não cumprindo as normas de segurança, situação que se repetiu na indústria de aço Thyssen. Lá os trabalhadores turcos eram expostos ao pó e gás de coque, sem máscaras e luvas de proteção, sendo obrigados a trabalhar mais de 16 horas, caso contrário estariam demitidos.
Outros exemplos de humilhações, de hostilidade e de indiferença são encontrados no trecho do livro que retrata o desprezo com que Wallraff foi recebido por padres de igrejas católicas, os quais se negavam a batizar alguém que tinha sido muçulmano. Dessa forma, a instituição que não deveria ter nenhum tipo de preconceito com as diferenças étnicas, mostrou grande resistência em converter Ali para o catolicismo. Ademais, um fato que marca a ganância e a insensibilidade dos empresários alemães se encontra no capítulo em que o patrão de Ali iria entregar alguns turcos para uma morte lenta em uma usina nuclear, pois receberiam em apenas algumas horas a quantidade de radiação máxima permitida por ano.
As fortes denúncias reveladas pela obra fizeram com que a sociedade alemã, que se julgava sensata e imparcial, investigasse os casos de discriminação. Influenciaram jornalistas franceses a escreverem um livro parecido, mostrando o racismo que os trabalhadores turcos encontravam na França e provocou a criação de uma comissão para averiguar a situação de estrangeiros na Dinamarca.
Empresas e pessoas prejudicadas com a publicação do livro abriram processos contra Wallraff, questionando o método de investigação jornalística utilizado, o qual muitas vezes criava uma situação e um acontecimento, dado que é comprovado pelo jornalista no trecho: “Monto uma encenação para ver até que ponto ele chegaria num caso muito grave.” Porém, sem interpretações e simulações, a reportagem não conteria informações que só são obtidas no cotidiano de um operário turco e que foram fundamentais para o sucesso do livro, no qual Günter Wallraff afirmou que “foi necessário usar um disfarce para desmascarar a sociedade; foi necessário mentir e fingir para descobrir a verdade”.